Varáola dos macacos: entenda a transmissão, os sintomas e a vacina
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, há¡ seis dias, a varáola dos macacos como emergáªncia de saúde pública de interesse internacional. Conhecida internacionalmente como monkeypox, a doença, endáªmica em regiáµes da áfrica, já¡ atingiu neste ano 20.637 pessoas em 77 paáses.
No Brasil, são 978 casos, sendo 744 apenas em São Paulo. A Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará¡ (Sespa) confirmou, nesta terça-feira (2), o primeiro caso de mokeypox — varáola dos macacos — no Pará¡. O caso foi registrado em uma pessoa do sexo masculino, de 27 anos, que buscou atendimento em uma UPA de Ananindeua. O paciente é residente de Belém e tem histórico de viagem recente por São Paulo e Rio de Janeiro.
Segundo especialistas, já¡ existem muitos estudos sobre a monkeypox, é uma situação diferente da covid-19, que surgiu como uma doença nova. No entanto, o pesquisador alerta que o sucesso no combate ao surto dependerá¡ do compromisso do poder público.
A monkeypox é causada por um poxvárus do subgrupo orthopoxvárus, assim como ocorre por outras doenças como a cowpox e a varáola humana, erradicada em 1980 com o auxálio da vacinação. O quadro endáªmico no continente africano se deve a duas cepas distintas.
Uma delas, considerada mais perigosa por ter uma taxa de letalidade de até 10%, está¡ presente na região da Bacia do Congo. A outra, com uma taxa de letalidade de 1% a 3%, encontra-se na áfrica Ocidental e é a que deu origem ao surto atual.
No entanto, segundo especialistas, o várus em circulação sofreu um rearranjo gáªnico que contribuiu para sua capacidade de transmissão pelo mundo. “Ele teve uma evolução disruptiva, sofreu uma mutação drá¡stica”, afirmou. O pesquisador afirmou que casos graves não são recorrentes. A preocupação maior abrange os grupos de risco que incluem imunossuprimidos, crianças acima de 13 kg e gestantes.
“A taxa de letalidade tem relação com o sistema de saúde local. No surto atual, até o momento, não tivemos óbitos fora das á¡reas endáªmicas. Isso mostra que o várus da monkeypox é de baixa letalidade”, salientou a virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Várus da UFRJ e assessora da OMS.
Transmissão e sintomas
A varáola dos macacos foi descrita pela primeira vez em humanos em 1958. Na época, também se observava o acometimento de macacos, que morriam. Vem daá o nome da doença. No entanto, no ciclo de transmissão, eles são vátimas como os humanos. Na natureza, roedores silvestres representam o reservatório animal do várus.
“Não há¡ reservatórios descritos em locais fora da áfrica. Uma das maiores preocupações no surto atual é impedir o várus de encontrar um reservatório em outros paáses. Se isso acontece, é muito mais difácil a contenção”, explicou Clarissa.
Sem um reservatório animal, a transmissão no mundo vem ocorrendo de pessoa para pessoa. A infecção surge a partir das feridas, fluidos corporais e gotáculas do doente. Isso pode ocorrer mediante contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, contato com objetos contaminados ou contato com a pele, inclusive sexual.
O tempo de incubação do várus varia de cinco a 21 dias. O sintoma mais caracterástico é a formação de erupções e nódulos dolorosos na pele. Também podem ocorrer febre, calafrios, dores de cabeça, dores musculares e fraqueza.
“As lesáµes são profundas, bem definidas na borda e há¡ uma progressão: começa como uma mancha vermelha que chamamos de má¡cula, se eleva tornando-se uma pá¡pula, vira uma bolha ou vesácula e, por fim, se rompe configurando um crosta”, explicou o infectologista Rafael Galliez, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ.
Pelo protocolo da OMS, devem ser considerados suspeitos os casos em que o paciente tiver ao menos uma lesão na pele em qualquer parte de corpo e se enquadrar em um desses requisitos nos últimos 21 dias: histórico de viagem a paás com casos confirmados, contato com viajantes que estiveram nesses paás ou contato ántimo com desconhecidos.
Diagnóstico e tratamento
O Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ se firmou como um dos polos nacionais para diagnóstico da doença. O primeiro caso no estado do Rio de Janeiro foi detectado em 14 de junho, cinco dias depois da primeira ocorráªncia no paás ser confirmada em São Paulo. De lá¡ pra cá¡, já¡ são 117 resultados positivos no estado do Rio. Outros estados também táªm enviado amostras para aná¡lise na UFRJ.
Essas aná¡lises são realizadas em fluidos coletados diretamente das lesáµes na pele, usando um swab [cotonete estéril] seco. Existe a expectativa de que a população tenha, em breve, acesso a testes rá¡pidos de detecção de antágenos, similar aos que foram feitos para a covid-19.
Mesmo nos quadros mais caracterásticos, o exame é importante para confirmar aná¡lise clánica. Um desafio para a detecção da doença é a semelhança de suas lesáµes com as provocadas pela varicela, doença popularmente conhecida como catapora e causada por um várus de outro grupo. A mudança de perfil dos sintomas também tem levantado um alerta de especialistas. Na varáola dos macacos, as erupções costumavam surgir mais ou menos juntas e evoluáam no mesmo ritmo.
“Começamos a ver casos com lesáµes únicas, á s vezes na região genital ou anal, á s vezes no lá¡bio, á s vezes na mão. E também vemos lesáµes que aparecem em momentos diferentes, de forma mais parecida com a catapora. Esse padrão é diferente do que se estudava sobre monkeypox“, disse o infectologista Rafael.
Uma vez detectada a doença, o tratamento se baseia em suporte clánico e medicação para alávio da dor e da febre. Um antiviral chamado tecovirimat, que bloqueia a disseminação do várus, já¡ é usado em alguns paáses, mas ainda não está¡ disponável no Brasil.
Segundo o médico, 10% dos pacientes táªm sido internados para o controle da dor, geralmente quando há¡ lesáµes no á¢nus, nas partes genitais ou nas mucosas orais, dificultando a deglutição.
Prevenção e vacinas
A vigilá¢ncia para a rá¡pida identificação de novos casos e o isolamento dos infectados são fundamentais para se evitar a disseminação da doença. Pode ser necessá¡rio o peráodo de até 40 dias para a retomada das atividades sociais. Mesmo que o paciente se sinta melhor, deve se manter em isolamento enquanto ainda tiver erupções na pele. “Na catapora, a lesão com crosta já¡ não transmite o várus. Na varáola dos macacos, essa lesão transmite”, acentuou Rafael.
O infectologista alertou para a importá¢ncia de se evitar contato com as pessoas que integram os grupos de risco. Segundo ele, embora existam poucos estudos de casos envolvendo gestantes, os resultados não são bons. “Há¡ uma letalidade pediá¡trica alta. Existe o que a gente chama de transmissão vertical, isto é, o acometimento do feto com danos graves: perda das estruturas da placenta e abortos espontá¢neos. Com o pouco que se sabe, é considerada uma doença obstétrica grave. Suspeitos de estarem contaminados devem ser orientados a evitar contato com qualquer pessoa que possa estar grá¡vida”, alertou.
Os especialistas da UFRJ também observaram que o uso de preservativo não previne a infecção, já¡ que o intenso contato e a troca de fluidos corporais durante o ato sexual oferece diversas oportunidades para a transmissão do várus. Por outro lado, há¡ indácios de que as pessoas vacinadas contra a varáola humana tenham proteção contra a monkeypox.
Também sabe-se que sistema imunológico desenvolve proteção cruzada contra os diferentes orthopoxvárus. Isso significa que quem já¡ foi contaminado com a varáola humana ou com a vaccinia, por exemplo, e possivelmente possui imunidade para a varáola dos macacos. Foi com base nesse conhecimento que se criou a vacina antivariólica. Embora voltado para combater a varáola que acometia exclusivamente humanos e possuáa uma alta taxa de letalidade entre 30% e 40%, o imunizante foi desenvolvido a partir do várus da vaccinia, doença que costuma infectar o gado leiteiro e os ordenhadores.
Com a erradicação da varáola, a vacinação foi suspensa em todo o mundo por volta de 1980. No Brasil, campanhas mais robustas ocorreram até 1975, mas até 1979 o imunizante era aplicado nos postos de saúde. Os indácios apontam que quem nasceu antes dessa data e foi vacinado está¡ protegido contra a monkeypox. A média de idade dos contaminados está¡ abaixo dos 38 anos.
Embora já¡ existam vacinas para ajudar no combate ao surto da varáola dos macacos, não há¡ previsão quanto a uma campanha para imunização em massa.
A OMS orienta que se garanta a proteção de profissionais de saúde e pesquisadores laboratoriais. Para os demais grupos populacionais, a imunização deve ser após a exposição. Segundo a virologista Clarissa, trata-se de usar a estratégia de vacinação em anel: são vacinadas pessoas que vivem e que tiveram contato com um paciente positivo na tentativa de bloquear a disseminação do várus. “Essa vacina funciona muito bem até quatro dias pós-infecção”, observou.
Clarissa acrescenta que não há¡, neste momento, vacina para todos e a produção mundial vai levar tempo. “Os fabricantes não tinham previsão de produção para uma doença que afetasse o mundo todo. A produção era exclusivamente para estoque estratégico de paáses que táªm programas de biodefesa. O Brasil, como vá¡rias outras nações, não tem isso”, explicou. Segundo Rafael, estudos já¡ mostraram a eficá¡cia da estratégia de vacinação em anel em determinados cená¡rios de surto.
Perfil dos infectados
Homens com menos de 40 anos representam a grande maioria dos infectados. Estudos no Reino Unido constataram que muitas vátimas se declaram homossexuais ou bissexuais. Os especialistas, no entanto, alertam que a varáola dos macacos pode acometer qualquer pessoa e não apenas aquelas do sexo masculino com vida sexual ativa. Mulheres e adolescentes já¡ foram diagnosticados com a doença pelo Laboratório Molecular de Virologia da UFRJ.
O diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aconselhou esta semana que homens que fazem sexo com homens reduzam, neste momento, o número de parceiros sexuais. Ao mesmo tempo, alertou que “estigma e discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer várus e podem alimentar o surto”.
Segundo o médico Amilcar Tanuri, a desinformação pode deixar a sociedade despreparada para lidar com o surto. “Isso nos remonta á história da AIDS e do HIV. No começo, ficou um estigma que só atrapalhou a prevenção da doença. Isso ocorre porque quando o várus entra por um grupo inicial leva um tempo até se disseminar para outros grupos. Com o HIV começou assim. Depois se percebeu que os hemofálicos estavam com HIV, que as crianças nasciam com HIV. Não existe nenhuma evidáªncia biológica de que o várus da varáola dos macacos seja especáfico para um sexo. Aliá¡s, não sei que várus tem essa especificidade”, disse.
Matéria alterada, no quinto pará¡grafo, á s 12h01, para excluir a palavra vaccinia, citada como doença no texto, mas, na verdade, trata-se de um várus.
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